
Há pouco mais de trinta anos, duas moedas com o mesmo nome, mas valores muito diferentes, circulavam no Iraque: o “dinar suíço”, usado no Curdistão, e o “dinar de Saddam”, presente no restante do país.
O dinar suíço foi impresso antes da Guerra do Golfo (1991) em prensas de alta qualidade na Suíça — daí o nome “dinar suíço” — e se tornou a moeda do Curdistão após o governo de Saddam Hussein perder o controle da região. Embora não fosse mais emitido após a guerra, o dinar suíço continuou a ser utilizado localmente, resistindo ao caos que assolava o país. Em contrapartida, o dinar de Saddam era produzido em massa pelo regime central, especialmente durante as sanções dos anos 1990. Isso resultou em uma moeda de baixa qualidade, altamente falsificada e vulnerável à manipulação estatal.
Como sabemos, a escassez é um fator crucial no valor de qualquer ativo, e as moedas não são exceção. O dinar suíço ganhou força no Curdistão justamente porque sua oferta era limitada — não houve novas emissões após 1991, o que o protegeu da inflação desenfreada que devastou o resto do Iraque. O dinar de Saddam, por outro lado, foi impresso em grandes quantidades para financiar o regime, resultando em hiperinflação e perda de confiança generalizada.
O valor de uma moeda depende, principalmente, da confiança das pessoas nela. No Curdistão, o dinar suíço era visto como uma moeda confiável, dada sua relativa estabilidade e a percepção de que a região estava se saindo melhor economicamente, com apoio internacional, em comparação com o Iraque sob Saddam Hussein. Já o dinar de Saddam perdeu credibilidade à medida que a economia iraquiana desmoronava sob as sanções e a má gestão do regime, tornando-se praticamente inútil fora do controle estatal.
A capacidade de um governo de imprimir dinheiro a seu bel-prazer tem um impacto direto no valor da moeda. E por que estou mencionando esses dois dinares? Porque hoje existe uma moeda que compartilha várias semelhanças com o dinar suíço, mas com algumas vantagens adicionais. Estou falando do Bitcoin, que apresenta características muito interessantes.
Criado em 2009 por Satoshi Nakamoto, o Bitcoin é uma moeda digital descentralizada, ou seja, não há um governo ou entidade central controlando sua emissão. Em vez disso, ele opera em uma rede blockchain, onde as regras são definidas por código e pelo consenso dos usuários.
O dinar suíço e o Bitcoin têm algo em comum: ambos escaparam do controle de uma autoridade central em declínio (Saddam Hussein no caso do dinar suíço, e bancos/governos no caso do Bitcoin). O dinar de Saddam, ao contrário, representa o oposto: uma moeda completamente dependente de um regime autoritário, cujas falhas de gestão levaram à sua desvalorização e à perda de poder de compra da população.
O Bitcoin, assim como o dinar suíço, é definido pela escassez. O protocolo do Bitcoin limita a emissão total a 21 milhões de unidades, e a criação de novas moedas diminui ao longo do tempo, com o processo de “halving”. Essa oferta limitada é um dos principais fatores que impulsionam sua valorização, de maneira semelhante ao que ocorreu com o dinar suíço em relação ao dinar de Saddam. Uma oferta restrita tende a aumentar o valor.
É importante ressaltar que a escassez do dinar suíço foi acidental (resultante da perda de controle do governo central), enquanto a escassez do Bitcoin é intencional, projetada para emular ativos como o ouro. O dinar de Saddam, por sua vez, exemplifica o que ocorre quando a oferta de uma moeda é inflada sem critérios: o valor entra em colapso.
Além disso, o Bitcoin deriva seu valor da confiança em sua tecnologia (a blockchain), na descentralização, na capacidade de realizar transferências rápidas e baratas, e na resistência à censura ou manipulação governamental.
Curiosamente, tanto o dinar suíço quanto o Bitcoin ganharam valor em contextos de crise: o primeiro em uma região isolada de um governo falido, o segundo em um cenário global desconfiado dos sistemas financeiros tradicionais após a crise de 2008. Já o dinar de Saddam reflete o destino das moedas fiduciárias quando a confiança se esvai.
Embora existam semelhanças, há diferenças marcantes. O dinar suíço e o dinar de Saddam eram moedas físicas, limitadas por fronteiras geográficas e dependentes das economias locais. Já o Bitcoin é digital, global e acessível a qualquer pessoa com acesso à internet. É difícil imaginar o dinar suíço se tornando uma reserva de valor para o mundo todo, mas é muito mais fácil visualizar o Bitcoin cumprindo exatamente esse papel.