Muito se fala nos fundos de private equity (PE) e nos excelentes resultados que eles têm apresentado. Mas será que eles são isso tudo que nos contam?
O bom senso nos diz que há mais por trás dessa história do que nos mostram. Fundos de PE investem, como o nome sugere, em empresas (equity) que, pelo menos no início, não eram de capital aberto e não eram negociadas em mercados públicos (private). Hoje a história não é bem assim.
É difícil precisar quando o mercado de private equity realmente começou, mas ele se popularizou graças aos leveraged buyouts (LBOs, ou compras alavancadas), popularmente conhecidas como bootstrapped acquisitions, no final da década de 60.
A falecida Bears Stearns era líder nesse setor, especialmente na papel de advisor, e tinha, entre seus executivos, Henry Kravis, George Roberts e Jerome Kohlberg, que deram início à famosa e gigante empresa KKR, usando as iniciais dos seus sobrenomes, na segunda metade da década de 70.
LBOs podem ser extremamente lucrativos, especialmente porque, como o nome sugere, eles são extremamente alavancados – alguns podem ter menos de 10% de equity (capital próprio). Só para pôr isso em perspectiva, imagine que uma empresa seja comprada por $10 milhões, sendo $1 milhão em capital próprio e os demais $9 milhões em dívida.
Caso essa empresa seja vendida por $11 milhões logo em seguida, o retorno para o investidor é de $1 milhão menos o custo da dívida. Embora possa parecer pouco, esse $1 milhão corresponde a um retorno de 100% sobre o capital próprio, o que é um retorno extraordinário.
Isso nos mostra também o porquê do interesse dos fundos de private equity em comprar empresas cada vez maiores. Como o investimento em equity é baixo – e o dos gestores do fundo menor ainda – quanto maior a empresa, maiores as taxas obtidas no final.
Como podemos ver, private equity funciona melhor com dívida – e quanto mais, melhor. Mas a conta, que parece boa para o investidor, é ainda melhor para o gestor, chamado de general partner. Fundos de PE, no geral, cobram inúmeras taxas (fees) dos seus investidores, como uma para facilitar a obtenção de crédito, advisory na compra e venda, remuneração por assentos no conselho administrativo, contratos diversos, além do carrego normal e da taxa de performance no final.
Não há nada de inerentemente errado nisso e sou totalmente a favor de que quem esteja fazendo um bom trabalho seja devidamente remunerado por isso. A questão que fica é: como saber se o trabalho está sendo, de fato, bem feito em um mercado privado?
Em março de 2020, no auge da queda dos mercados por causa do medo do covid-19, várias ações despencaram 20%, 30%, 50% ou até mais. E o que ocorreu com os fundos de private equity? A grande maioria subiu.
Como isso é possível? Como um fundo que investe em ações de empresas, como as listadas em bolsa, pode subir, se o mercado inteiro está caindo? Pior, como um fundo que investe em empresas altamente alavancadas pode subir num momento tão adverso como esse? O risco é dobrado, não só por investir em ações, mas também por investir em ações altamente alavancadas e ilíquidas.
Essa é a “mágica” dos fundos de PE. Como eles não possuem ações listadas em bolsa, eles mesmos precificam os ativos, da maneira como querem, com a bênção dos fiéis auditores (sim, aqueles que vendiam davam AAA ratings para qualquer CDO antes da crise de 2008).
Assim, enquanto ações de empresas sólidas, lucrativas e bem posicionadas no mercado sofrem com a volatilidade, as ações de private equity passam incólumes por qualquer oscilação. Essa é outra grande vantagem para aqueles que não gostam de ver a volatilidade cobrar seu preço nos portfólios. A natureza desses fundos suaviza (mascara) a volatilidade, embora o risco continue lá, amplificado em algumas vezes pelo efeito da alavancagem .
E como as precificações são maiores a cada etapa, os investidores em geral têm a impressão de que estão sempre ganhando nesses fundos, e dedicam uma porção cada maior do seu patrimônio a eles.
Posso até dar o exemplo mais fácil da agora-falecida WeWork, aquele fiasco sobre o qual já escrevi algumas vezes. A empresa captou recursos diversas vezes, e com exceção do final, a cada rodada um valuation maior que o anterior era usado.
O SoftBank investiu inicialmente US$4,4 bilhões na empresa na primeira rodada de financiamento, em agosto de 2017, ocasião em que a empresa fora avaliada em cerca de US$20 bilhões. Em janeiro de 2019, o mesmo SoftBank investiu outros US$6,25 bilhões, agora colocando uma etiqueta de cerca de US$47 bilhões.
Absolutamente todos e mais alguns sabiam que a empresa não daria certo, pelo menos não nos moldes em que estava sendo administrada, contudo isso não impediu um fundo de PE de investir mais dinheiro nela.
Por que alguém investiria dinheiro em uma empresa altamente alavancada, incapaz de gerar lucro e caixa? Algum cínico poderia sugerir que o SoftBank estava em vias de levantar mais um fundo (Vision Fund II), e investiu mais dinheiro na WeWork a um valuation maior, mesmo sabendo que não daria certo, apenas para evitar problemas na captação de recursos para o novo veículo.
Investir na empresa já investida a um valuation maior aumentaria a cota do fundo anterior, gerando mais fees (muito mais, por sinal) e daria um impulso na rentabilidade, tornando mais fácil a captação para o segundo fundo. Se houvesse um problema com a WeWork em 2019, seria bem difícil colocar um segundo fundo de pé.
Não estou acusando o SoftBank de nada, só estou querendo mostrar que fundos de private equity, em geral, têm um risco enorme e um payoff inadequado, para dizer o mínimo. Cara, os gestores ganham (e muito), coroa, os investidores perdem. Uma assimetria negativa para os investidores, que ficam encantados com a baixíssima volatilidade e possibilidade de altos ganhos. Fundos de PE não mostram adequadamente a volatilidade nem o risco, que são coisas muito diferentes, por sinal. É hora de os investidores se darem conta disso.